Se hoje está envolvida no desenvolvimento da sexta geração de internet móvel, o 6G, Santa Rita do Sapucaí tem tradição tecnológica desde o fim de 1950. Nesta época, porém, faltava algo para as empresas deixarem de ver a pequena cidade do sul de Minas Gerais só como formadora de engenheiros e a encarassem como polo tecnológico.
O esforço que criou o “Vale da Eletrônica” só nos anos 1980 exigiu o apaziguamento de adversários políticos, a ação marketeira de um dentista e a visão de um engenheiro.
O pontapé foi dado por uma moradora da cidade que passou por cima da rixa da família para criar uma escola.
Casada com o diplomata Antônio Moreira de Abreu, Sinhá Moreira convenceu o então presidente da república e adversário político de sua família, Juscelino Kubitschek, a autorizar o funcionamento dos cursos técnicos em eletrônica no país.
Sobrinha do ex-presidente Delfim Moreira, ela teve a ideia após viagens pelo mundo e perceber que a tecnologia seria o futuro. Com isso, criou a primeira escola de tecnologia da América Latina e a sétima no mundo.
A existência da escola permitiu que instituições surgissem, caso do Inatel (Instituto Nacional de Telecomunicações), criado pelo engenheiro José Nogueira Leite.
Os alunos vinham de todo Brasil e até do exterior. Eles emprestavam vida nova à pequena cidade, mas partiam ao fim do curso para ocupar um bom emprego nas principais indústrias brasileiras, carentes de profissionais qualificados.
Até o início de 1970, as principais empresas locais eram uma estamparia, a cooperativa regional agropecuária, uma malharia, uma fábrica de luvas e as próprias instituições de ensino. A prefeitura se esforçava para indústrias de tecnologia gerarem empregos no município, mas, até então, nenhuma decidira atuar por lá.
A falta de oportunidades na cidade preocupava Paulo Frederico de Toledo, conhecido como Paulinho Dentista por sua profissão. Atuando como vereador, ele integrou a chapa que venceu corrida eleitoral de 1982. Como vice-prefeito, recebeu a missão de atrair novas indústrias. Sem ideia de como fazer isso, vivia se queixando aos amigos: “Monte Sião é a terra do tricô. Piranguinho é a terra do pé de moleque. Só Santa Rita do Sapucaí que não é capital de nada! A cidade tem escolas e laboratórios de pesquisa, mas, quando os alunos se formam, vão todos embora! Até quando vai isso?”
Entre uma queixa e outra, Paulinho conversava à noite com amigos por meio de um radioamador de ondas curtas. Em um desses papos, lamentou o fechamento da fábrica de luvas e equipamentos de segurança e a demissão de mais de 300 colaboradores. Buscando contornar a situação, o vice-prefeito foi aconselhado a conversar com Sérgio Graciotti, outro companheiro de rádio e que atuava com publicidade na capital paulista.
Entre uma queixa e outra, Paulinho conversava à noite com amigos por meio de um radioamador de ondas curtas. Em um desses papos, lamentou o fechamento da fábrica de luvas e equipamentos de segurança e a demissão de mais de 300 colaboradores. Buscando contornar a situação, o vice-prefeito foi aconselhado a conversar com Sérgio Graciotti, outro companheiro de rádio e que atuava com publicidade na capital paulista.
Ao chegar a São Paulo, Paulinho daria de cara com uma empresa pequena, mas a MPM era uma das maiores agências de publicidade do país. O publicitário propôs criar um folder para o vice-prefeito distribuir na “Feira da Indústria Eletroeletrônica”, no Anhembi, em São Paulo.
“Eu falei para o Castor: você não quer fazer esta peça? O projeto é muito interessante! Santa Rita do Sapucaí parece uma Califórnia. Lembra muito o Vale do Silício!”, lembrou Graciotti.
Ao ver na manhã seguinte o folder com os dizeres “Venha para Santa Rita do Sapucaí, o Vale da Eletrônica”, Paulinho ficou tão eufórico que precisou ser acalmado. “Era isso, gente! Era isso o que eu queria! Aqui está a chave do negócio!”
Na feira, a missão era convencer os empresários a conhecerem Santa Rita do Sapucaí, a “terra prometida” a meio caminho de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. No dia seguinte, mal começou o expediente, o telefone disparou. Empresários de todos os cantos buscavam informações. A um executivo paulista do ramo de telecomunicações, Paulinho prometeu: “Quer agendar uma reunião? Em quatro horas, estarei na sua empresa!” Na volta, encomendou anúncios de um jornal de circulação nacional.
Fabricante de antenas, a Fini Gonçalves Indústria Metalúrgica foi uma das maiores empresas a se mudar para Santa Rita do Sapucaí no início de 1985, graças ao anúncio.
“Em 1985, tomei conhecimento de Santa Rita através de uma notícia publicada no jornal. No mesmo dia, telefonei para a prefeitura e marquei uma visita. Fui até lá e fiquei encantado com a receptividade das pessoas. Dali para a frente, foi um processo muito rápido. Escolhemos as possibilidades de terreno, e a prefeitura fez a doação. A vinda da empresa aconteceu um ano depois. – Fernando Pimentel, dono da Fini Gonçalves Indústria Metalúrgica.
Com a chegada das primeiras indústrias para a cidade, Paulinho decidiu detectar iniciativas promissoras, dentro do próprio município, a serem fomentadas pela prefeitura. Contou com o apoio do então diretor do Inatel, Navantino Dionísio Barbosa, para criar uma feira industrial.
A notícia do evento chegou ao conhecimento do então ministro das Ciências e Tecnologia, Renato Archer. Para recebê-lo, Paulinho teve que criar a segunda edição da feira, um mês depois de promover a primeira.
O impulso para atração e geração de empresas deu certo: 1985 foi fechado com 20 novas indústrias e com a geração de 500 postos de trabalho. O faturamento, no ano seguinte, triplicou. E a arrecadação em Santa Rita do Sapucaí cresceu, ainda que os impostos fossem reduzidos pela metade. “Isso aqui é uma religião!”, brincava o dentista.
No começo, havia um número bem pequeno de empresas. O que chamava mais a atenção era a visão do Paulinho, já que ele era dentista e não empresário. Nesse período, as coisas aconteciam de maneira informal. O ‘Vale da Eletrônica’ era muito mais uma ideia do que um movimento” – Adonias Costa da Silveira, professor e ex-presidente da Fundação Instituto Nacional de Telecomunicações.
Uma das marcas daquele momento era o cooperativismo entre os empresários. Uma empresa ajudava a outra e todas usavam os laboratórios e equipamentos das instituições de ensino. Havia também preocupação para que as novas iniciativas não concorressem com as companhias já estabelecidas.
“Naquela fase, as coisas eram feitas com o mínimo de recursos e com a dedicação total dos empresários. Tudo o que nós tínhamos era o apoio da comunidade e uma grande vontade de fazer dar certo.” – Marcos Goulart Vilela, sócio-fundador da Leucotron Telecom
Essa união entre escolas, poder público e iniciativa privada ficou conhecida mais tarde como “tríplice hélice”. O “milagre” de transformação de Santa Rita do Sapucaí levou Paulinho a palestrar em eventos no país. Em um deles, no BNDES, o dentista teorizou:
“Quando ganhamos as eleições, foi um inferno. Todo mundo queria emprego e isso não era possível, mesmo pagando baixos salários. Foi aí que nós optamos por fazer um ‘clientelismo’, um pouco mais criativo. Quando ficávamos sabendo que havia algum aluno desenvolvendo um projeto promissor, a prefeitura quitava o aluguel de um galpão industrial, pelo período de dois anos, e cedia toda a infraestrutura disponível. Começamos com uma e, hoje, temos 47 empresas.”
Em 1987, Paulinho assumiu a Prefeitura de Santa Rita do Sapucaí, após Rogério Toledo Rennó renunciar. Um ano depois, ao fim do mandato, a cidade possuía 54 empresas e tinha virado referencial no país.
Com o aprimoramento dos centros de pesquisa e desenvolvimento, a cidade criou a primeira geração de TV digital do Brasil, atuou na elaboração do 5G e agora trabalha no 6G. Com 40.635 habitantes, o “Vale da Eletrônica” possui, atualmente, mais de 160 empresas de base tecnológica, fabrica cerca de 17 mil produtos e gerou um faturamento de R$ 3,2 bilhões em 2023.
Fonte: Tilt – UOL