A história de lutas, garra e simplicidade de Vanuza Vilas Boas

A trama de cada lugar é criada pela diversidade de trajetórias de pessoas comuns, que são capazes de transformar o seu entorno e inspirar o coletivo. Vanuza Vilas Boas da Cunha é uma pessoa batalhadora, otimista e cheia de histórias pra contar. Nascida e criada na zona rural, viveu uma infância difícil, mas rica em aprendizados. Conheça agora a trajetória de uma pessoa simples, mas dona de uma fé e de uma garra impressionantes!

Conte-nos um pouco sobre a sua infância.

Quando eu era criança, os meus pais se mudaram para um lugar chamado “Serra”, no bairro Fortaleza. Antes, tínhamos morado no “Cruzeirinho”, perto da praça Urbana Carolina e também na fazenda do senhor Mendonça. O meu pai era retireiro e começou a trabalhar na fazenda do senhor Mauro Cunha. Desde pequena eu ajudava em casa e, por ter me mudado algumas vezes nos meus primeiros anos, só consegui entrar para a escola quando já tinha 9 anos de idade.

Onde você estudava?

Eu estudava no Sanico Teles e precisava descer um morrão para chegar à cidade. As minhas pernas doíam bastante! Caminhava uma hora e vinte para chegar à escola, mas eu preferia estudar do que trabalhar com o meu pai na colheita! No início, fiz este trajeto diário com o meu irmão. Como ele ajudava o meu pai e estava chegando atrasado no trabalho, passei a vir sozinha.

Aos domingos, eu também ia à fazenda do doutor Alencar fazer catequese. Meu professor era o José Márcio, que tinha uma banca no mercado. Um moço que morava na fazenda abria o porão para a gente estudar. Nas paredes havia umas pinturas antigas que remetiam aos tempos da escravidão.

Vanuza e familiares, na infância.

O seu pai também vinha a pé para a cidade?

O meu pai tinha uma bagageira, espécie de charrete com um banco para três pessoas e uma pequena carroceria. Era com ela que a nossa família vinha à cidade fazer as compras. Depois, ele arrumou um trator.

Como foi o seu acidente com a charrete?

Foi na minha infância. O patrão do meu pai queria colocar um garanhão para puxar a bagageira e o meu pai começou a amansar o cavalo. Numa vinda que nós fizemos para levar o leite à cooperativa, o cavalo começou a empinar. Quando chegamos perto da pracinha da Katrin, percebemos que o meu pai tinha caído da charrete. O cavalo entrou na pracinha, subiu no banco e começou a pular. Entramos pela rua da cadeia, um policial tentou segurar o cavalo, mas não conseguiu. Meu irmão pulou da charrete e bateu com a cabeça no meio-fio. Eu fiquei sozinha, com o cavalo em disparada até que um homem saiu bêbado de dentro de um bar e conseguiu parar o animal.

Como foi a sua mudança de trabalho da zona rural para a cidade?

Aos doze anos, eu passei a ajudar o meu pai na colheita e ainda estudava. Dois anos depois, saí da escola para poder trabalhar com a Dona Lydia e comecei a vir para a cidade. Para mim, era melhor caminhar uma hora e tanto do que ficar debaixo de sol o dia todo ou no frio extremo do trabalho no campo.

Quando você percebeu que trabalhar como diarista poderia ser melhor do que em uma só residência?

Tudo foi acontecendo aos poucos. Quando eu saí da casa da Dona Lydia, estava grávida de dois meses e voltei para a colheita. No quarto mês de gestação, parei de trabalhar. Quando a minha filha estava com sete meses, pensei que seria melhor voltar para a cidade do que ficar no sol quente e comecei a trabalhar na casa da dona Lourdinha do Arnaud. Permaneci doze anos naquele trabalho. A minha intenção era ter um serviço em que eu não tivesse horário para chegar ou ir embora e que ganhasse melhor. Quando o marido da dona Lourdinha faleceu, passei a trabalhar dois dias com ela e dois dias para a sua nora. A dona Crezilda também me encontrou um dia na rua e me chamou para trabalhar com ela. Daí comecei a trabalhar com várias pessoas, até completar a minha semana!

Vanuza vive na Nova Cidade.

Os tempos de pandemia prejudicaram muito você?

Fiquei até doente naquela época… As pessoas começaram a me dispensar e o que me ajudou bastante foi o auxílio emergencial. Sem ele, não teria como me manter. Fiquei sem chão naqueles tempos.

Uma vez você me contou que caiu um raio no seu pai…

Sim! Nessa época eu já tinha me casado e a minha filha, a Sheron, estava com dois meses. Foi em fevereiro de 1996. Saiu todo mundo para trabalhar e começou a chuviscar. Estavam o meu marido, meu pai e alguns trabalhadores, debaixo de uma árvore. Quando o raio caiu, o meu marido ficou surdo e mancando de uma perna, mas conseguiu voltar para casa e pedir ajuda. Já o meu pai ficou no chão, paralisado. O raio caminhou pelo lado esquerdo do corpo dele. Um mocinho que estava junto teve a capa de chuva destruída e ficou encolhido por conta do efeito da descarga elétrica. Ele levou um tempo maior para ficar bom porque o raio desceu pelo facão que estava em sua cintura. Ele foi o único que ficou internado. Foi um milagre todos terem se salvado naquele dia!

Você vive há quanto tempo na Nova Cidade?

Faz vinte anos! O meu pai com o meu marido compraram a casa em que moramos de uma família que estava se mudando de Santa Rita e nós tivemos que reformar todo o imóvel. Tudo teve que ser reconstruído porque estava bem mal acabado.

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