Converso todos os dias com Carlos Henrique Vilela, head de marketing da Leucotron, mas ando tão cheio de projetos e desafios que nem me dei conta do que ele, o João Rubens Costa e o Marcos David estavam prestes a promover na cidade: o HackTown. O nome vem de uma proposta um tanto quanto em moda nos dias atuais. A quebra de padrões, a mudança de pensamento, a transformação pessoal, o conceito de hackear uma cidade que, nada mais é, do que transformar pensamentos acostumados a fazer sempre as mesmas coisas.
Como a minha esposa está a trabalho no Canadá, meu filho teria que ir comigo a quantas palestras eu conseguisse, no decorrer do dia. Ao todo, seriam quatorze apresentações de uma hora, muitas de forma simultânea, em diversos bares espalhados pelo centro da cidade. Mais de 50 expositores desembarcaram com o objetivo de promover uma transformação do pensamento e teríamos que dar prioridade a não mais do que seis palestras naquele dia. Optei por aquelas que o meu filho ficou mais interessado. Em troca, tive que dar a ele mais um dia de locação de um game que tem tirado a sua atenção da vida. Como regra, só poderia continuar a jogá-lo no dia seguinte. A estratégia deu certo.
A primeira apresentação aconteceria no cômodo da antiga ABC Móveis. A maioria das palestras foram apresentadas na Antônio Moreira, o que chamou muito a atenção dos turistas por seus antigos casarões. Carlos Henrique vive dizendo que esta rua está se tornando a mais importante da cidade em conceitos de originalidade e tendência. Naquele dia, comecei a dar crédito a ele. Quando os expositores deram início a uma ideia maluca de se substituir a alimentação tradicional pelo consumo de grilos, baratas e besouros, meu filho ficou de boca aberta e sua atenção foi captada instantaneamente. Nos sentimos em um filme do Indiana Jones quando, entre teorias sobre a qualidade proteica daqueles bichos, pratos com larvas e baratas começaram a circular entre os visitantes. As pessoas enchiam a mão e comiam aquilo! Um cara repetiu a cena ao ver um companheiro ao lado fazer o mesmo e, só passou mal, quando percebeu o que havia acabado de fazer.
Saímos daquela palestra e fomos para uma espécie de relato pessoal sobre a vida criativa. Sérgio Barros contou em seu depoimento a uma plateia que se acotovelou em uma esfirraria do centro como tem mudado os próprios padrões para viver mais intensamente e sair da rotina. Ir ao trabalho de bicicleta, trocar os restaurantes pela casa dos amigos, ver filmes que explorem a criatividade, conversar mais com os desconhecidos. Eu percebi naquela exposição que as pessoas buscam os grandes centros por conta das oportunidades, mas que a qualidade de vida que tanto querem nós temos de sobra em Santa Rita do Sapucaí. Caso conseguíssemos produzir novas demandas, teríamos um bom número de talentos que permaneceriam por aqui, o que faria a cidade se desenvolver muito.
Depois do almoço, vimos o que considerei a apresentação mais original de todo o evento. O santa-ritense Ricardo Abrahão, que atraiu um público local que, até então, eu não tinha encontrado nas palestras, realizou uma quebra de conceito, invertida. O expositor fez com que todos demonstrassem repúdio ao som acessível e popular de Michel Teló, para fazer um retorno às origens da música sacra e mostrar que a pegajosa “Ai se eu te pego”, utilizava a mesma estrutura das músicas mais tradicionais da Europa, motivo de sua grande aceitação no mundo todo.
A palestra seguinte era muito aguardada pelo meu filho. Aficcionado por internet, queria conhecer de perto o criador da página de conteúdo, Update or Die. Apesar do tema ser mais adulto que infantil, chamou a atenção de Gabriel que não falava outra coisa, senão em criar um canal no youtube ou fazer sua página bombar. Saímos de lá com o menininho encantado e fomos para um restaurante ao lado onde um rapaz novo, que trabalhou em um centro de estudos da NASA deveria ensinar as pessoas a “hackearem a si mesmas”. Tal exposição chamou muito a atenção. Dentre várias teorias, Renato Stefani falou sobre a “Jornada do herói” que prevê que os grandes protagonistas do cinema ou da literatura passam por um mesmo processo: o chamado, a negação, o aprendizado, os desafios, a possibilidade de retornar, o desejo de prosseguir e o desfecho final. Caramba! Terminei minha primeira ficção dois dias antes, com um enredo exatamente como o que descreveu aquele cara. Arquétipos. Velhas formas de executar um mesmo processo. O leito do rio que, ora está baixo, ora alto, mas que sempre segue o mesmo curso.
Saímos dali e fomos para a apresentação mais aguardada por Gabriel. A sexta palestra que ele veria naquele evento de um dia só. “Os segredos de Star Wars”. Os olhos do menininho ficaram vidrados na exposição de um especialista no assunto, que envergava uma camiseta com os dizeres: “Eu, coraçãozinho, Star Wars”. Com toda certeza, o palestrante tem outra profissão. Não vive de cinema e, muito menos, da saga. No entanto, dava ideia de que é possível expandir os conhecimentos, não só para o que lhe dá o sustento, como também para o que ama. Com uma sala lotada de curiosos e cinéfilos, o palestrante mandou muito bem.
Gabriel não deu conta de continuar dali em diante. Subiu a Antônio Moreira cheia de turistas, bem diferentes daqueles que vemos nos eventos tradicionais da cidade, e voltou para casa cheio de ideias. Muita coisa pode acontecer na cabeça de uma criança de 11 anos, submetida a uma descarga tão poderosa de informações. Sozinho, fui me encontrar com um amigo, que faria a última apresentação da noite: o historiador e arquiteto, Nando Almeida. Em sua exposição, falou sobre o seu trabalho, trouxe alternativas para resguardarmos o patrimônio e traçou uma perspectiva sobre a cultura brasileira. Saí de lá convicto sobre o nosso papel de garimpar a história da cidade e encontrarmos formas de democratizá-la, como temos feito aqui, através do Empório de Notícias.
Debaixo de chuva, os visitantes saíram das palestras e foram para um Happy Hour onde trocaram ideias, ouviram um som e botaram as barbas de molho. Voltei para casa moído, mas consciente do que nossa comunidade é capaz. Ao que parece, teremos outra edição ainda este ano. Talvez seja mais bacana, talvez tenha mais atrações. Para mim, entretanto, nenhuma será tão marcante quanto a primeira. O padrão foi quebrado.
(Carlos Romero Carneiro)