Nos meados da década de oitenta, um caminhão estacionado em frente ao mercado produziria um trauma que a molecada levaria pela vida afora. Tratava-se de Monga, a jovem indefesa que se metamorfoseava em um gorila de três metros, diante dos olhos da criançada.
Na noite da inauguração, formou-se uma fila que chegava ao terminal rodoviário para presenciar a cena grotesca. Aos gritos, moleques corriam, rompiam as grades que separavam o público e berravam toda vez que o fenômeno se repetia. Afinal, o que acontecia no interior daquele palco improvisado? As pistas davam conta de que o número de mortos seria assustador naquela noite.
Crianças com dinheiro na mão desistiam pouco antes e trocavam o show por uma vaca preta do Modesto. Outras, usavam suas economias na roleta, procurando se distanciar daquele cenário grotesco.
Quando chegou a vez de adentrar o palco escuro com uma luz de 10 watts que alumiava uma grade de ferro ao fundo, senti arrependimento de ter pagado para sofrer. A luz se apagou e o pânico assumiu as rédeas. Uma multidão ocupava a saída e lá estava eu, a poucos centímetros da carnificina.
Lentamente, a lâmpada acendeu e pude ver uma jovem de biquini surrado e penas de galo índio nos cabelos, corpo esguio e traços caboclos.
A locução deu início à narrativa. Capturada nas profundezas da selva amazônica, a jovem tinha o misterioso dom de se transformar em gorila… até ali eu sabia. E, lentamente, sua pele delicada começou a se recobrir de pelos, bem na nossa frente. Ninguém entendia como algo tão surpreendente poderia estar acontecendo diante de nossos olhos. A curiosidade tornava o momento ainda mais envolvente.
Quando o terrível animal tomou o lugar da criatura indefesa, algo pareceu ter saído do controle. Um monstro sacudia as grades da cela, em busca de sacríficio humano. O som das barras de ferro ecoava pelas paredes do caminhão até que o pior aconteceu. O gorila partiu em direção à criançada que tentava, feito louca, sair dali, sem se lembrar de que vinte e oito corpos não poderiam ocupar um mesmo lugar no espaço. Na pequena portinhola de dois por um, uma multidão se acotovelou para escapar de um verdadeiro massacre. Alguns da fila correram juntos. Uma menina jogou o sorvete de flocos para o alto e partiu em direção ao rio. Logo em seguida, o autofalante anunciava: teria início uma nova sessão.
Depoimentos das vítimas
“Lembro disso aí… naquela noite eu bati o recorde dos 100 metros rasos. Corri à igreja Matriz em 10 segundos. Só Usain Bolt melhorou a marca. (Marcelo Vilela)
“Eu tinha uns sete ou oito anos e morava em Belo Horizonte. Tive a mesma reação do Marcelo Vilela! Quando a mulher começou a virar macaco, saí correndo do lugar e só parei bem longe. Isto foi há mais de meio século e, até hoje, acho engraçado. Na hora, foi um susto e tanto!” (João Batista Azevedo Júnior)
“Também tive reação parecida com a do Marcelo Vilela. Sem contar que, no meio do caminho, caí de cara naquela serragem imunda.” (Maria Helena Brusamolin)
“Estava no primeiro ano da ETE (1992). O parque da festa era ali do lado da Casa do Beto. Eu, com 15 anos, quase 1,90m de altura, entrei no caminhão da Monga. A gravação informava que era uma experiência do cientista “Flô”. Cheguei “macho pá raio”… quando ela virou Monga e estourou a jaula, corri e tinha uma galera lá fora pra rir das crianças que fugiam. (Luciano Tomassoni)
“Eu também quase morri de medo inúmeras vezes.” (Nídia Telles)