Impossível pensar nos tradicionais desfiles de carnaval e não me lembrar do meu pai. Apesar de nunca tê-lo visto dançar ou cantar música alguma, nunca vi alguém tão apaixonado pela folia como ele. Meu pai passou boa parte da vida envolvido com carnaval. Ao lado de Samuelzinho, fundou o Sol Nascente e trouxe os entusiastas da agremiação para dentro dos Democráticos. Ao lado destas mesmas pessoas, os lambões, macarrões, gentalhas, passarinhos, rolinhas e outros apelidos que ele gostava de chamar os outros, foi o responsável por dar proporção ao Bloco das Piranhas e criou – pouco antes de falecer – o bloco “O que sobrou”. Por muitos anos, se empenhou no barracão dos Democráticos enquanto o carnaval ainda estava longe. Ao seu lado, cansei de trabalhar – ainda criança – nos bailes que ele promovia aos sábados para arrecadar grana para o bloco. Meu pai cuidava do bar, o Cido Discoteca do som, o Joaquim ficava na portaria e eu vendia os ingressos. Muitos anos antes, na construção daquele prédio, via meu pai trabalhando como servente do saudoso Seu Hélio. E quando o barracão ficou pronto, fizeram uma grande festa e amarraram uma garrafa de espumante nos caibros que sustentam o telhado. Aquilo ficou muitos anos amarrado ali, com a data rabiscada no rótulo. Em ano de carnaval, meu pai corria ao barracão para reparar os fios, consertar os postinhos, trocar as lâmpadas, colocar o almoxarifado em ordem e consertar o quadro de energia. Ele se sentia importante fazendo aquele trabalho enquanto, ao seu lado, muitos amigos, alguns que também já partiram, batiam papo, trabalhavam e se confraternizavam entre as esculturas dos De Franco. Todo dia era um jantar diferente e sempre ficava alguma coisa para última hora. Seu Adirson, Badi, meu avô que ficava a cargo do gerador junto com o Léo, o Newton Brandão com o Rinaldo que montavam o trio, Chicão do Alemão, Cardão, Chico Coeio, Lázaro, o cozinheiro Zé Grilo que fazia um arroz empapado que meu pai adorava… a turma da Rua Nova, Waguinho Caputo, Amado, o também cozinheiro Candião, muitos outros que esqueci agora… todos amigos inseparáveis que davam boas risadas e transformavam aquele espaço em um ambiente mágico. Não me esqueço quando, no dia do desfile, o Taylor (que o meu pai chamava de Lambão), amarrou o cabo de iluminação no trator e subiu embalado a Chacrinha para esticá-lo. Meu pai colocou a mão na cabeça e começou a berrar: “Acabou tudo! Arrebentou o cabo!!!” Felizmente, deu tudo certo. Além de trabalhar pelo bloco, meu pai também registrava os desfiles. O Ride Palhaço ficava por conta do Iran. Para não ouvir que caprichou mais no Democráticos, ele pedia que o seu irmão fizesse o serviço, mas recomendava: “Pega tudo que é defeito! Filma tudo!” Meu pai vai me matar por isso…rs No fim das contas, fica a saudade de um tempo em que a comunidade se reunia em torno de um projeto incrível. Nos últimos tempos, preferi permanecer longe do barracão e de toda a correria na confecção dos carros. Me bate um vazio chegar naquele espaço em tempo de preparativos e não encontrar meu pai e nem aquelas pessoas que eu tanto admirava. Perdeu muito o sentido para mim. Neste ano, o bloco desfila na praça. Uma grande contrariedade dos mais antigos e, principalmente, do meu pai foi terem migrado o desfile para a avenida. Finalmente, as pessoas compreenderam que uma tradição só sobrevive por tanto tempo quando repetida de uma mesma forma. A correria, a montagem dos carros em frente ao grupão, as famílias nas janelas, faixas de uma e outra agremiação nas sacadas, as luzes que se acendem quando está tudo pronto, as moças que saem das casas de costura mais lindas do que jamais estiveram, o clarim que deveria ser tocado somente uma vez e no exato momento do desfile começar… tudo aquilo mexe com a comunidade que ajudou a montar o espetáculo e tal emoção é transferida ao público que puxa o cordão ou espera pelas luzes que começam a despontar atrás da igreja quando o Bloco aproxima. Há quem diga que muita gente que partiu retorna quando este ritual acontece. Não sei se acredito, mas torço para ser verdade.
Início Colunas Coluna do Carlos Romero Quando os antigos retornam ao morro (Por Carlos Romero Carneiro)
Homi, bate a poeira da saudade e anima ai, tem muitos lacinho pra dar.
Boa Mirtão!