Relatos de Taís Takehara, uma santa-ritense que vive na Itália

Eu não só estou em Milão, na Itália, o segundo país com mais casos e mortes pelo coronavírus, como estou, também, no futuro.

Me sinto como que gritando da janela há um mês, implorando pra que os santa-ritenses prestassem atenção no que estávamos passando aqui para que não se repetisse aí, mas vejo tudo se repetindo.

Não sei se contar ajuda, ou se alertar evita qualquer mal, porque a verdade é que a gente não acredita. Parece até um mecanismo natural de proteção do nosso cérebro pra gente não sofrer à toa. A gente não entende, nem vendo! A gente precisa viver pra acreditar.
No dia 23 de fevereiro, eu realizei um sonho, o de conhecer a origem do carnaval, o carnaval de Veneza. Que tristeza, vazio. Mas gente, que drama é esse? Esses italianos são muito exagerados. Fim do dia e o anúncio: os próximos 3 dias de festa foram cancelados devido à epidemia coronavírus. Quê??? Correria pra todo lado, turistas com suas malas deixando a cidade, trens lotados, e as máscaras que deveriam ser coloridas e nos olhos foram substituídas pelas cirúrgicas tampando a boca e deixando só à vista os olhos preocupados.

A gente viu tanto na TV, a China já estava sofrendo há um mês, mas a gente ainda estava na fase de fazer piadas e de ter dó deles. Não sabíamos ainda nos cuidar. Aquela viagem de volta foi um misto de nojo e medo, cheia de “não encosta aí, dá um passo pra trás, não coça os olhos, quer álcool em gel?, alguém espirrou, vamos trocar de vagão.”
Chegando em casa, lavei as roupas com bactericida, passei álcool em tudo, inclusive no dinheiro! Não sei nem se vale mais, porque tirei até a cor da bichinha. Hahaha
Passamos por 3 momentos aqui, primeiro cancelaram eventos, fecharam escolas, pontos turísticos, academias, bares e clubes. Em um segundo momento, mandaram os trabalhadores pra casa, aqueles que poderiam realizar teletrabalho, e impuseram a lei de manter 1m de distância de outra pessoa e nos proibiram de deslocar para outras cidades. Semana passada, quando achei que já estávamos trancados o suficiente, restringiram as saídas de casa para 1) compra no supermercado em seu bairro 2) passeio com cachorro 3) caminhada sozinho em seu bairro 4) proibiram trabalhos que não fossem essenciais à vida. E se você infringir? Multa de 300 a 4000 euros, e até risco de prisão por até 1 ano.
Timidamente, começamos, agora, após um mês, a ver um pouquinho de variação nos números (muito pouco).

Antes as pessoas não queriam ficar em casa, hoje não querem sair. Por quê? Não por causa das regras, mas porque ninguém quer se responsabilizar pela morte de ninguém. Ninguém quer ficar doente, porque não tem hospital pra mais ninguém. Todos querem que tudo isso acabe logo e possamos voltar ao trabalho e sentir de novo a brisa da liberdade.

O que eu posso te dizer de tudo isso? Que álcool em gel é bobagem. Ajuda, claro, mas é como fazer exercícios sem mudar hábitos alimentares. Tire a mão da boca, pare de roer as unhas, lave as mãos antes das refeições, use talheres, seja asseado, ‘limpin’. O supermercado aqui não tem nem onde enfiar tanto álcool em gel que sobrou. De novo, tenha um, ajuda, mas não precisa beber o trem! Tenha um termômetro em casa, ele alivia o stress quando você desconfiar que está com coronavírus. Sem febre, sem alarde (raros casos não apresentaram febre). Não corra pro hospital ou clínica. Testar se você tem a doença, não ajuda, só atrapalha. Você pode infectar mais pessoas, lá tem muita gente com baixa imunidade, crianças e idosos também. Acalme-se. Analise os sintomas, tem muitos canais de ajuda além do hospital, apps, chats, números telefônicos. Lá não é o melhor lugar nesse momento. E mais: se você estiver com coronavírus, você vai voltar pra casa e vai fazer o que já deveria estar fazendo, se cuidando e cuidando dos outros. O teste só serve pra desencargo de consciência. Mais uma vez, importante testar, mas não saia correndo à toa! Também diria para você comprar coisas que vai precisar para não ter que ficar saindo sem necessidade nesses dias: tinta pras crianças, aquelas coisas pra manutenção da casa, enfim, faça um planejamento a mais longo prazo. Compre dos seus amigos, vizinhos, das pessoas locais, fortaleça a economia da nossa cidade. Por fim, seja gentil! Toda vez que ler ou ouvir algo, seja gentil. A situação já está péssima, ganhar uma discussão não te faz vencedor de nada. Sério, aproveite pra pedir pra outros também serem gentis. Toda vez que vir um comentário rude, peça gentileza.

Não dá pra prever o que vai acontecer daqui pra frente, a única certeza que temos é que mais mortes, mais pobreza, fome e mais sofrimento estão por vir. Teremos que nos ajudar, então quem puder doe, quem precisar de ajuda, peça. Tutto andrá bene (tudo ficará bem), é a mensagem de esperança espalhada por toda Itália e que espero que esteja presente aí com vocês.

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