Era uma tarde mais saudosista do que eufórica. Com os carros alegóricos prontos, o lendário saxofonista Tonico, entoava o hino do Bloco enquanto os entusiastas do Democráticos batiam palmas e se emocionavam no barracão das velhas lembranças. Estava tudo lá, menos as pessoas que ensinaram aquela gente a ter amor pela agremiação. Ao fundo, Rogério Azevedo, o Ieié, dava sua risada tão conhecida e emocionava-se com a apresentação do músico que, em outros tempos, foi um dos responsáveis por dar vida ao morro do Zé da Silva. “Está todo mundo aqui! Luiz Carlos, Tio Hugo, Lazinho do Quinquim, Tatau… não faltou ninguém!” – disse Ieié, em misto de verdade e brincadeira.
Onze e pouco da noite, o bloco estava montado na avenida que nos foi imposta. Os membros da agremiação demonstravam alegria por manter uma tradição que já beira os noventa anos. Chegava o momento de invocar aqueles que criaram uma história que não se apaga. A homenagem, o clarim, o hino seguido dos fogos. Ieié, que chorava sempre que aquela cena se repetia, possivelmente se lembrou das pessoas que já não estavam mais ali para ver aquilo (ou, quem sabe, estivessem). Foi acometido por uma descarga tão forte de emoção que seu coração não suportou. Nem mesmo a presença do renomado doutor Kallás, que encontrava-se bem ao seu lado, foi suficiente para livrá-lo de um ritual que, cedo ou tarde, é imposto a todos os foliões.
A cena que se viu dali em diante foi das mais trágicas. Metade dos organizadores, inclusive o presidente, acompanhava Rogério, enquanto a outra cuidava para que o espetáculo não acabasse ali. A plateia parecia não entender porque um evento tão perfeito, tinha membros de feição tão estática. Ninguém ria. Ninguém se divertia. Todos aguardavam que a avenida acabasse para guardar os carros e ter notícias do filho de dona Lydia.
Quando doutor Alexandre surgiu pela porta lateral do pronto-atendimento e disse que não havia mais nada a fazer, o pranto tomou conta de todos. Uma cena surreal deu o tom daquela noite que tinha tudo para ser a mais feliz de todas. Enquanto parentes e amigos choravam a perda de Ieié, ouvia-se a Bandeira Branca ecoar a duas quadras dali. “Bandeira Branca, amor. Não posso mais. Pela saudade, que me invade eu peço paz.”
Rogério foi embora feliz. Estava contente por ver sua família empenhada em produzir um desfile de qualidade e reavivar a importância das pessoas que criaram um bloco tão amado quanto os Democráticos. Ousaria dizer que Ieié morreu de felicidade, mas aquela noite fez com que o carnaval terminasse mais cedo. No dia 9 de fevereiro de 2016, tivemos a nossa terça-feira de cinzas. Naquele desfile, o amado morro, desfalcado de suas mais queridas figuras, perdeu (ou ganhou) o querido Ieié.
(Carlos Romero Carneiro)